Artigo: Como tirar proveito de seus inimigosArtigo: Como tirar proveito de seus inimigos

Coronel Swami de Holanda Fontes

Sim, o título é um plágio do nome de uma das obras de Plutarco. Nascido 46 anos depois de Jesus Cristo e falecido aos 74 anos, o grego em tela foi filósofo, escritor, matemático e, poeta moralista, tendo assumido a cidadania romana quando se mudou para Roma. De inteligência privilegiada, soube observar a natureza humana, possivelmente porque passou por inúmeros países nos quais representou sua pátria em várias missões.

Na sua obra Como tirar proveito de seus inimigos, Plutarco dá conselhos sobre como governar, conduzir o povo, e tratar as pessoas; aborda a questão da inveja, do ciúme, das paixões, entre outras, no intuito de explicar como podemos conduzir nossos atos para que tenhamos uma melhoria no trato das coisas e no relacionamento humano. Um exemplo citado pelo grego é a reflexão feita com o fogo, que queima quem o toca, mas que fornece luz e calor para aqueles que sabem aproveitar suas características.

Plutarco utiliza como ponto de partida para expressar seus pensamentos, a conduta e o efeito do inimigo sobre nós e o que deveríamos fazer para contrapor suas ações.

“Visto que o inimigo observa curiosamente nossas ações, é necessário que estejamos atentos a nós mesmos, e essa vigilância se transforma em hábito de virtude. A emulação é uma contenção moral.”

Plutarco

Como podemos estar atentos a nós mesmos? Será que pelo policiamento, pelo patrulhamento das nossas condutas, pela disciplina?

Segundo alguns conceitos, e de forma resumida, disciplina é o conjunto de leis ou ordens que regem um grupo de pessoas ou uma sociedade, podendo ser também a obediência a uma autoridade. A palavra possui como sinônimos: condicionamento, respeito, obediência, acatamento, etc. Já a autodisciplina, ou disciplina consciente, diz respeito a fazer o certo por vontade própria e não pelo medo de uma eventual punição ou cobrança. Do ponto de vista social, a disciplina traduz-se pela boa conduta do indivíduo perante a sociedade.

O oposto de disciplina, por outro lado, é a indisciplina, isto é, quando não há ordem, norma e comportamento adequado, ou quando os regulamentos são desrespeitados. Assim, cada sociedade, ou grupo social dessa mesma sociedade, pode ter um conjunto de normas e regras de condutas que varia de acordo com os seus preceitos.

O termo “disciplina” possui significados diferentes para os diversos grupos sociais ou conforme a situação. Para o ambiente escolar, pode ter um significado; para o de trabalho, assumir outro; para a igreja, um, e assim por diante. Para um atleta, por exemplo, pode significar seu compromisso com a rotina de treinamento; para alguém que zela pela saúde, pode ser sua perseverança pelo estilo de vida saudável.

O Regulamento Disciplinar do Exército Brasileiro (R-4) especifica o conceito de disciplina e as manifestações de como se materializa a disciplina militar:

“Art. 6º. A disciplina militar é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever parte de todos e cada um dos componentes do organismo militar.

§ 1º – São manifestações essenciais de disciplina:

1) a correção de atitudes;

2) a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos;

3) a dedicação integral ao serviço;

4) a colaboração espontânea para a disciplina coletiva e a eficiência da Instituição.

§ 2º – A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos permanentemente pelos militares na ativa e na inatividade.”

A disciplina militar é exercida, quase em sua totalidade, de modo consciente pelos militares, que obedecem aos regulamentos e seguem normas escritas ou não escritas. É óbvio, também, que há casos esporádicos e pontuais, intencionais ou não, da ocorrência de condutas indesejadas, mas que rapidamente são usadas como exemplos para que outros não caiam na mesma situação.

No mundo militar, a história demonstra que a disciplina é considerada como algo necessário para se obter a vitória em um conflito. Em um ambiente onde não se pode falhar, a obediência consciente no âmbito de uma estrutura hierarquizada é fundamental para fins de sobrevivência. Não é à toa que a hierarquia e a disciplina são princípios constitucionais que constituem a base das organizações militares.

Na guerra do Vietnã, se por um lado os americanos perderam a guerra em casa por falta de apoio da opinião pública, que não aceitava que os filhos da terra voltassem para casa em sacos pretos, por outro, a perda de disciplina por parte dos militares americanos, em um amplo espectro, foi bem aproveitada pelos vietcongues. Na tropa mais bem preparada tecnologicamente, casos de comportamento inadequado, de desrespeito às normas, do não cumprimento dos preceitos de hierarquia, de desprezo pela cultura local, de quebra de decoro da classe, de falta de ética e valores morais afetados, e de más condutas militares, (até as mais corriqueiras, como a simples falta de disciplina de luzes e ruídos em uma patrulha), foram bem exploradas no teatro de operações pela força considerada mais fraca.

Na atualidade, a questão da indisciplina pode ser muito bem aproveitada nos ambientes virtuais pelos nossos oponentes. Daí a necessidade de valorizarmos atributos e valores como o respeito à dignidade da pessoa, o patriotismo, o civismo, o profissionalismo, a lealdade, a constância, a verdade, a honra, a honestidade e a coragem.

Se soubermos tirar vantagem da indisciplina do nosso oponente ou bem usufruir da nossa disciplina, com certeza teremos sucesso nas nossas causas. Não custa lembrar que aquilo que está em nossas mãos é mais fácil de administrar do que aquilo que se encontra com outros. Percebe-se, portanto, a importância do tema, seja na sociedade, para que tenhamos um ambiente de harmonia, seja na carreira militar, para que àqueles que tem a procuração de impor ou manter a paz, tenham credibilidade e confiança para bem cumprir suas missões junto a nação.

Enfim, não querendo ser presunçoso ou questionar a obra de Plutarco, bem que ele poderia ter abordado mais profundamente, no seu livro, como tirar proveito do inimigo utilizando a nossa disciplina ou a indisciplina do nosso oponente.

Por fim, como demonstra a história, até os dias atuais, é muito difícil alguém ou algo se aproveitar desse pilar fundamental do Exército Brasileiro, a disciplina.


Coronel Swami de Holanda Fontes

O Cel Fontes é Oficial de Artilharia oriundo da Academia Militar das Agulhas Negras. Possui os seguintes estágios e cursos pelo Exército Brasileiro: estágios de comunicação social, de Escalador Militar e de Operações Psicológicas, capacitação em Planejamento Estratégico Organizacional, especialização em Bases Geo-Históricas para Formulação Estratégica, mestrado em Operações Militares e mestrado em Ciências Militares, cursos de Comando e Estado-Maior, Básico Paraquedista e Básico de Inteligência Militar. Na Agência Brasileira de Inteligência realizou o curso de Noções do Fenômeno Terrorismo e na Escola Superior de Guerra, o Curso de Extensão de Doutrina de Operações Conjuntas. No exterior, especializou-se em Inteligência Estratégica no Instituto de Inteligência das Forças Armadas Argentinas; em Segurança Militar Nacional e Comando na Universidade de Defesa Nacional da China; em Doutrinação Política em Comunicação Social e em Operações em Comunicação Social, estes dois últimos cursos realizados na escola da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), na Alemanha. Foi analista de inteligência do Ministério da Defesa e analista de Contra-Inteligência no Centro de Inteligência do Exército. Comandou os Grupos de Operações de Inteligência da 3ª Brigada de Infantaria Motorizada em Cristalina/GO e da 16ª Brigada de Infantaria de Selva em Tefé/AM, o Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva do 3º Grupo de Artilharia de Campanha – Regimento Mallet, em Santa Maria/RS, o curso de Artilharia da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais no Rio de Janeiro/RJ e o 7º Grupo de Artilharia de Campanha – Regimento Olinda, em Olinda/PE. Foi Chefe da Seção de Operações e Chefe da Divisão de Relações Públicas do Centro de Comunicação Social do Exército. Atualmente é o Chefe do Estado-Maior da 7ª Divisão de Exército em Recife/PE.


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